Uma reflexão sobre o consumo nas cidades e metrópoles
Por morar entre o mar e a montanha, entre o campo e a cidade, me sinto privilegiada em muitos aspectos. Habitando este lugar, as estações do ano e suas nuances são mais nítidas, mais vívidas. Os ventos por vezes mais intensos ou mais amenos não passam despercebidos. Aqui fica bem claro que estamos no outono, seja porque as árvores de caqui perderam todas as folhas ou porque a época de colher abacates em abundância chegou! São inumeráveis particularidades que aguçam nossa percepção.
Como moradora destes dois universos, sempre me pego refletindo sobre as cidades, suas infraestruturas, necessidades, logística, formas de habitar, de consumir, de se mover, formas de lazer e por aí vai. Percebo que uma cidade só existe e só pode existir se houver quem a abasteça e quem satisfaça as necessidades de sua população. Não temos ainda cidades auto suficientes como nos filmes de ficção científica e creio que jamais teremos, uma vez que uma cidade é a representação de um mundo celular, onde cada parte colabora com o todo e juntos esses elementos mantém a roda do consumo girando.
Vamos aqui, falar de alguns poucos porém cruciais elementos para que as cidades tenham vida.
O uso irracional da água
Somente quando nos deparamos com alguns números é possível compreender como estamos dilapidando o planeta.
Quando olhamos para a cidade em que vivemos, seja ela uma metrópole ou uma cidade pequena, não temos ideia de quantos recursos naturais são necessários para sua manutenção. Água, combustível, alimentos, energia – tudo isso vem da natureza e tem um preço. Não apenas um valor financeiro, mas um preço vital e ecológico.
Segundo dados do relatório climático da ONU, a extração de recursos naturais mais do que triplicou nos últimos 50 anos e as cidades são grandes responsáveis por esse consumo massivo. A previsão é que, se o nosso consumo continuar neste ritmo, até 2060 boa parte de nossos mananciais, florestas e diversidade biológica estará em risco ou será completamente exterminada.
De todos os inúmeros recursos necessários para a manutenção de uma cidade, a água é sem dúvidas o mais importante. Embora vivamos num planeta repleto de água, 97,5% de toda água é salgada. Apenas 2,5% é doce e grande parte dela está aprisionada em aquíferos subterrâneos e geleiras.
Apesar de sua escassez, estamos tratamos com descaso esse recurso tão nobre e necessário. Dados de 2016 apontam que numa cidade como São Paulo, cada morador gasta em média 13 mil litros de água por mês. Esse é um número simplesmente absurdo. Para se ter ideia do desperdício, a ONU estima que cada pessoa necessite de 3,3 mil litros de água por mês, ou em média 110 litros de água por dia para atender suas necessidades de consumo e higiene.
Estamos falando de 10 mil litros a mais por pessoa, isso somente em São Paulo. Diante do uso desmedido o resultado não poderia ser outro. Recentemente, metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte enfrentaram as piores crises hídricas de sua história.
Fome e abundância
Em termos de alimentos as cidades brasileiras estão entre as que mais desperdiçam comida no mundo. Segundo um relatório da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), o Brasil é o décimo país em desperdício de alimentos no planeta. São mais de 27 milhões de toneladas de alimentos jogados no lixo todo ano. O mais assustador: 60% de toda comida jogada fora vêm do consumo de famílias, ou seja, é feita dentro de nossos lares por má gestão de nossos alimentos.
Outro fator relevante é a forma como as cidades exploram a mão de obra do campo. Grandes centros urbanos concentram boa parte da riqueza nacional, mas ainda assim os pequenos produtores agrícolas lutam diariamente para obterem seu sustento de modo digno. Isso gera um paradoxo: de um lado temos uma grande abundância de alimentos, enquanto milhões de pessoas passam fome ou enfrentam severa insegurança alimentar diariamente. Não se trata de uma questão de falta de recursos, mas de má distribuição de renda e de oportunidades.
Cidades de plástico
O outro preço a ser pago pelas cidades é o consumo de energia e elementos derivados de combustíveis fósseis. A quantidade de plástico produzida por uma cidade é algo difícil de acreditar. Uma matéria do site português Público, mostrou que uma pessoa pode consumir indiretamente até 20 quilos de microplástico ao longo de sua vida. Em grandes cidades já se encontram resíduos de microplástico no ar e nos pulmões de seus habitantes.
A OMS estima que pelo menos 3 milhões de pessoas morram todos os anos por causa da poluição causada pelas grandes cidades. Resíduos descartados sem o devido tratamento, ocupação irregular em áreas de preservação ambiental e um sistema de transporte que valoriza carros, sem espaço para o uso de bicicletas e outros meios de locomoção menos poluentes, são alguns dos fatores que estão transformando a vida nas cidades em uma experiência cada vez mais insalubre. Apenas de plásticos, foram 13,35 milhões de toneladas descartadas ano passado no Brasil.
O que podemos fazer?
Cidades são geridas politicamente. Embora cada cidadão tenha sua responsabilidade no quadro social, é na escolha política que o futuro das cidades é decidido. A mudança só será possível depois que aprendermos a ver as cidades como um organismo vivo e interconectado, onde todos devem colaborar para o bem de todos.
O caminho é longo, mas diversas cidades já possuem iniciativas de distribuição de renda e alimentos, reciclagem e reuso de resíduos, jardins e hortas comunitárias ou diversos projetos de integração coletiva entre seus moradores.
Pequenas mudanças de hábitos e costumes farão uma incomensurável diferença.
As cidades são abastecidas de alimentos que em sua maioria foram cultivados em locais muito longínquos delas. Um exemplo que merece reflexão é a cidade de São Paulo, que recebe diariamente toneladas de alimentos in natura em sua sede da Ceasa. Todo resíduo orgânico são transportados por caminhões e em sua maioria levados para lixões a céu aberto. Isso é insano.
Não é difícil imaginar um futuro no qual as centrais de abastecimento de alimentos tenham, cada uma delas, conjuntos utilitários de composteiras capazes de transformar sobras de alimentos em adubo. Esse adubo poderia ser utilizado pela prefeitura para adubar jardins, hortas comunitárias, para geração de renda etc.
Uma mudança de atitude que resultaria em ganhos enormes para o bem-estar nas cidades. Sem tantos caminhões de limpeza pública e coleta de lixo circulando, o resultado seria um ganho real na qualidade do ar, com menos emissões de gases do efeito estufa, além da economia de combustível. Sem contar que trabalhadores deste setor poderiam ser destacados para o cultivo de uma cidade mais verde, mais arborizada, equilibrada e aprazível.
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