Mais de 1 quilo de resíduos por dia. Essa é a quantidade de lixo, ou do que chamamos erroneamente de lixo, produzida por pessoa a cada dia no Brasil (dados do Panorama de Resíduos Sólidos do Brasil de 2020).
A cada quilo de resíduos jogados fora diariamente por cada um de nós, quantas coisas poderiam ser recicladas ou reutilizadas? Quantos objetos que julgamos velhos, ultrapassados ou “fora de moda” poderiam ser reaproveitados e ressignificados com um pouco de consciência e respeito com o planeta?
Sejamos honestos: esse não é um problema fácil de resolver. O excesso de “lixo” não é um objetivo de nossa sociedade, mas um sintoma de uma condição muito mais complexa do que podemos supor: o consumismo.
Lixo demais é sinal de coisas demais. Se não consumíssemos tanto, certamente descartaríamos menos. A conta parece simples, mas na prática estamos lidando com uma condição cruel e antiética imposta pela indústria capitalista.
A historiadora australiana Kerryn Higgs, em uma matéria para o site da BBC inglesa, aponta algumas origens para o consumismo desenfreado que vivemos em nossa vida atual.
Segundo Higgs, até o século 19 o consumo era voltado para artigos de sobrevivência. Uma família possuía em sua casa apenas aquilo que precisava: um par de roupas para cada um dos filhos, um par de sapatos para cada membro da família, uma ou duas panelas. Uma casa cheia de móveis e utensílios era algo raro, típico apenas dos mais ricos.
Com a chegada da Revolução Industrial vimos nascer uma nova forma de vida domiciliar, a casa não abrigava mais o necessário. As pessoas estavam começando a desejar mais coisas, pensavam em ter mais opções de um mesmo objeto, mesmo que este não fosse necessário.
Os estudiosos do consumismo, como Higgs, chamam esse comportamento de “poder propulsor da inveja”. No final do século XIX as pessoas passaram a consumir não apenas para suprir uma necessidade, mas para se equipararem com outras pessoas. Um tipo absurdo de competição para ver quem consome mais – e esse comportamento destrutivo perdura até hoje.
A humanidade, em sua essência, não difere de nenhum outro animal. Somos moldados pela necessidade, de forma que nossa sobrevivência não depende nem nunca dependeu do excesso. Se olharmos com atenção ao nosso redor, veremos que cada espécie vive e se desenvolve com harmonia e saúde usando os recursos que o entorno lhes provém. A raça humana é a única espécie vivente que acumula mais que o necessário.
Um novo olhar sobre o que temos em casa
Comprar um utensílio novo não deveria ser um ato banal, nem tampouco sinônimo de status. Na realidade, a cada nova compra alimentamos um ciclo de destruição do planeta, e ainda fortalecermos a ideia completamente errada de que a felicidade e a plenitude humana dependem somente do consumo.
Sim, é bem verdade que consumir nos traz conforto e bem-estar, não podemos jamais fugir disso. O que digo é que consumir não é a única forma de se estar no mundo, comprar não é e jamais será uma forma genuína de realização pessoal ou coletiva.
Existe um outro modo de se viver no qual os valores éticos, e não os padrões de consumo, são a verdadeira medida para o nosso bem-estar e o equilíbrio da vida no planeta. Esse mundo é possível e muitas pessoas já vivem nele. A questão é que grande parte da população não sabe disso.
O consumo ético é feito apenas dentro da necessidade. Pense que cada coisa em sua casa veio da natureza. Uma mesa de madeira já foi uma árvore, um sapato e couro já foi um animal, uma panela de metal já foi uma rocha encravada no coração de uma montanha. As coisas não nascem prontas, elas demandam mãos humanas e recursos naturais para serem feitas. Reduzir o consumo é garantir o futuro de nossos filhos e netos, é exercer o nosso poder diante do capitalismo para dizer não ao excesso.
O outro ponto que considero importante é ter total consciência de que nada pode ser de fato jogado fora. Não existe “fora” em nosso planeta. Tudo o que é feito dentro do nosso mundo permanece nele. Do mais fino alfinete até as turbinas de aviões, tudo está em curso com os biomas, tudo causa impacto natural, tudo altera o equilíbrio da vida de todas as espécies – incluindo a espécie humana.
O capitalismo nos vende a ideia de um mundo feito de coisas prontas. Tudo é imediato, fácil e instantâneo. Esse imediatismo desenfreado estimula o empobrecimento ético e intelectual das pessoas. Costumo dizer sempre que não criar, emburrece. Quando reaproveitamos algo, estamos criando um novo sentido e esse movimento, de mãos e mentes, muda nossa percepção do mundo para sempre.
Bom, e se nada pode ser jogado fora, o que devo fazer? Guardar tudo? Não consumir absolutamente mais nada?
Não. O que podemos fazer é repensar a forma como compramos e o que chamamos de lixo.
Podemos dar novos usos, significados e funções para coisas consideradas obsoletas.
Podemos olhar para o conteúdo de nossas lixeiras e ver que ali está também um pouco do nosso próprio planeta.
Antes de jogar no lixo algo de seu uso pessoal, pense nos seguintes pontos:
É algo que pode ser devolvido à natureza? Resíduos alimentares, cascas de frutas, verduras e outros itens orgânicos podem ser convertidos em adubo com o uso de composteiras caseiras. Ou ainda podem ser recolhidos por cooperativas especializadas apenas em coleta de material orgânico.
É algo que pode gerar renda para alguém? Papel, papelão, vidro, plástico e metais podem e devem ser reciclados. O benefício natural é enorme e esses materiais são ainda fonte de renda para milhares de famílias que vivem da reciclagem em todo o Brasil. Confira se o seu município possui associações de catadores e se informe sobre o melhor modo de ajudar.
É algo que precisa de cuidado especial? Pilhas, lâmpadas, equipamentos eletrônicos, baterias e demais componentes industriais são extremamente tóxicos ao meio ambiente. Jamais descarte-os no lixo doméstico. A maioria das empresas de tecnologia possui programas de coleta com destinação correta para esses elementos.
É algo que eu mesmo posso reusar? Esse é um exercício pessoal de respeito e ética com o planeta em que vivemos. Uma roupa velha pode ser usada em outras funções. Um sapato antigo pode ser reformado, uma meia poderá ser costurada. Mude sua forma de ver tudo o que há em sua casa e busque sempre dar um novo uso ao que parece antigo. As vantagens são inúmeras, mas podemos destacar também a economia de dinheiro.
Em resumo
O nosso planeta é finito. As dádivas naturais que a espécie humana recebe diariamente da natureza também são finitas. Não podemos alimentar o pensamento de que o consumo é algo banal.
Existem muitos caminhos e muitas ideias sobre como adiar o fim do mundo (recomendo a leitura do excelente livro do ambientalista e Ailton Krenak), mas nenhuma delas será eficiente se não reduzirmos o nosso consumo.
Parece algo impossível, ainda mais numa sociedade absolutamente capitalista, mas ao nosso redor, mais e mais pessoas estão adotando um estilo de vida no qual menos é mais.
Menos consumo, menos desperdício, menos obsolescência, menos desrespeito com a vida. Este é o caminho que acredito para um futuro mais harmonioso e justo para mim, você e todos nós.
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