Quem conhece meu trabalho sabe da relação especial que tenho com o artesanato. Ao longo dos anos venho encontrando novas formas de criar, moldar e conversar com as fibras que fazem parte de meu universo, como a lã, o algodão, os tecidos e as roupas descartadas. E também as já tão conhecidas redes de pesca, que trabalho desde 1998, um material tão nobre e versátil quanto poluidor por infelizmente ser considerado lixo.
O artesanato faz parte da própria história da humanidade. Desde os primórdios, homens e mulheres enxergaram nos elementos naturais ao redor a beleza e a possibilidade de criação. Essa é uma história antiga, que começou em 6000 a.C e que ainda se reinventa. Um saber que é passado de geração em geração e se combina com a cultura de diferentes povos (já falei sobre o tema aqui e aqui).
Infelizmente, muitas vezes essa história é esquecida e considerada uma arte menor ou erroneamente chamada de “primitiva”. Estamos falando de peças de uma beleza indescritível, que transparecem um apurado senso estético e harmonia com o todo.
Não é por acaso que os mais importantes museus de todo o mundo disputam esta arte popular, que também nos situa na história e registra a cultura destes povos erroneamente chamados de "primitivos", povos esses em sua maioria dizimados pelo homem branco, que só recentemente começou a reconhecer a importância, a beleza e a raridade desses objetos.
Exemplo de arte tradicional dos povos originários da Amazônia. Foto: Museu Amazônico.
O universo do fazer artesanal é de uma riqueza de difícil tradução em palavras e essa beleza desperta diversas questões. Como se forma um artesão ou artesã? Quais são as prerrogativas para uma carreira nesta área?
Em minha opinião, um artesão ou uma artesã não se forma; se nasce com o dom ou se "imprime" este dom ao ensinar artes manuais aos pequenos, a dar-lhes a liberdade de experimentar e de "errar", aprendendo aí não somente uma profissão, mas desenvolvendo a motricidade, concentração, curiosidade, senso estético e muitíssimas outras habilidades e percepções.
Existem profissionais que buscam formação tradicional, em escolas de artes ou com outros artesãos. Outros confiam, como eu, na combinação entre observação e experimentação. Olhar e fazer, sentir e reproduzir. Do primeiro ponto dado no tricô, no bordado, crochê ou em qualquer técnica, até a peça pronta é uma jornada e tanto.
Não importa qual tipo de material ou qual a técnica que você utiliza em suas criações e em seu trabalho, com o tempo você descobrirá que criar manualmente é se reencontrar, se conectar com si mesmo.
Um bom exemplo são as redes de pesca. Quando comecei a utilizá-las, fiquei dois anos reproduzindo apenas a mesma peça, um xale feminino feito no tear manual no qual mesclava algodão, seda tingida com folhas de eucalipto e as redes de pesca na trama.
Me sentia como se tivesse descoberto um novo continente, até intuir que as redes permitiam muitas outras criações. Desde então, me joguei na criação de mantas, jogos americanos tapetes e tantos outros objetos. Quanto mais crio, mais ideias e soluções surgem. Tudo feito a partir daquilo que era denominado lixo.
Quanto mais me envolvo na coleta, seleção e reuso das redes, mais compreendo o que elas têm a dizer. Há uma linguagem nas coisas e essa voz precisa ser ouvida pelo artesão ou artesã e espalhada aos quatro ventos.
Esponjas feitas com redes de pesca. Foto: Positiva. Divulgação.
O produto artesanal conta a história de uma região, de um povo, de uma cultura, de um indivíduo. É um tesouro que não pode ser apagado. Quando um objeto possui história ele deixa de ser descartável e ganha peso e valor em nossa vida. Precisamos resgatar a história simbólica dos objetos e isso não será possível através do consumo industrial. Nenhuma roupa de marca ou objeto de design comercial poderão oferecer o valor poético e singular que existe numa criação feita pelas mãos de um artesão ou artesã.
Para complementar a leitura, recomendo o site Rede Artesanato Brasil. Abaixo estão alguns artigos enriquecedores, que ajudarão a compreender melhor a importância do artesanato brasileiro. Boa leitura.