Novas tecnologias prometem abolir os produtos de origem animal.
O ser humano é a única espécie capaz de, não apenas consumir a maioria dos seres vivos, mas também manipular o alimento de acordo com o seu desejo e necessidade. O resultado dessa supremacia alimentar humana é um desequilíbrio ambiental sem precedentes causado em nome do consumo desenfreado.
Pela primeira vez o mundo produz mais comida que a nossa capacidade de consumo. A fome mundial não é mais uma questão de falta de alimento, mas de distribuição e justiça social.
O jornalista e pesquisador sobre a alimentação Michael Pollan ressaltou no livro O dilema do onívoro como nossa espécie foi moldada por aquilo que comemos. Comer de tudo nos garantiu um lugar especial na evolução, mas comer de tudo e ao mesmo tempo, de maneira irresponsável, poderá ser o fator que eliminará a vida humana da face da Terra. A alimentação humana não deve ser desculpa para o desrespeito com a vida e com o ecossistema.
Pollan é bastante enfático sobre a questão moral do consumo de carne e derivados de origem animal. Para ele, o veganismo é a prova de uma evolução moral da sociedade, que se reflete em todos os campos da vida humana:
“É possível que, como civilização, estejamos tateando em busca de um plano mais elevado de consciência. Pode ser que nosso esclarecimento moral tenha avançado a ponto de a prática de comer animais – como nossas antigas práticas de conservar escravos ou tratar as mulheres como seres inferiores – poder agora ser vista como o costume bárbaro que é um resquício de um passado de ignorância que em breve nos encherá de vergonha.”
Além de um problema moral, criar animais em grande escala para a alimentação está nos matando de duas formas: física e ambientalmente.
A valorização da saúde e uma visão ética sobre a vida são as bases do veganismo.
Foto: Vegan Society.
Colesterol e desmatamento
O consumo de carne vermelha está associado a altos níveis de câncer segundo diversos estudos. Todos os anos, milhões de pessoas sofrem de doenças graves causadas pelo excesso de colesterol, proveniente em boa parte de produtos animais. Uma alimentação baseada em carne e artigos de origem animal ainda pode influenciar na maior incidência de problemas cardiovasculares, AVC, Alzheimer, diabetes, doenças respiratórias, infecções, problemas de rim e fígado.
O outro grande é o impacto ambiental. A criação de criação de gado ocupa 75% cento das terras cultiváveis do planeta. Produzimos mais grãos comestíveis, como soja, milho e aveia para a nutrição animal que para alimentar outros seres humanos em estado de miséria. O agronegócio causa nos biomas um impacto irreversível e cruel. No Brasil, boa parte do Cerrado e da Mata Atlântica foi destruída para que surgissem novos currais de gado.
Entre o Rio Grande do Sul e a Bahia, estima-se que mais de 70% dos cursos de água doce estejam contaminados por causa da indústria de produção de carne, leite e derivados. Essa gigantesca máquina de produzir carne cria ainda uma profunda desigualdade social. Se nos tempos passados o pequeno produtor tinha um punhado de animais, que lhe forneciam carne, leite, lã e demais artigos para o sustento familiar, hoje esses agricultores perdem suas terras para as grandes companhias, que destroem toda a estrutura de cultivo local em nome de uma fabricação massiva de alimentos.
Carne vegetal criada pela Mosa Meats. Foto: Divulgação.
A tecnologia como caminho
Apesar dos diversos contratempos que enfrentamos diante dos excessos tecnológicos, é na inovação que residem várias soluções eficientes contra o consumo de artigos de origem animal. O primeiro hambúrguer de carne sintética foi produzido e testado em 2013. De lá para cá o produto sofreu diversas modificações. Os cientistas envolvidos na criação de uma carne idêntica à natural, mas 100% vegana, se preocuparam ainda em criar um alimento que fosse ecologicamente correto.
O resultado de anos de pesquisas começa a se apresentar para a sociedade. A empresa holandesa Mosa Meats calcula que até 2021 qualquer pessoa poderá comprar qualquer corte de carne, seja bovino, suíno, ave ou peixe, em sua versão vegana em qualquer supermercado. A diferença do consumo de recursos energéticos para a criação da carne vegana é enorme:
A carne de laboratório consome 55% menos energia que a carne tradicional.
Os gases do efeito estufa são reduzidos em 96%.
O uso de terras férteis é reduzido em até 99%.
Isso significa que todo o esforço envolvido na criação de proteínas sintéticas depende muito mais de um trabalho intelectual e técnico do que da criação em massa de seres vivos para o abate. Em termos ecológicos, o uso de terras úteis é resumido ao laboratório de criação. Isso representa mais água limpa, menos esgotamento do solo, mais ética com os animais.
Ovos veganos da americana Just. Origem vegetal e menos impacto ambiental.
Fonte: Divulgação.
A empresa Impossible Foods, como o nome já diz, está atuando na criação de alimentos até então considerados impossíveis. O grande projeto da companhia é substituir boa parte da carne natural por outra criada em laboratório. E não seria apenas uma versão vegetal com sabor de carne, mas um superalimento pensado para a saúde dos consumidores.
A base desse produto revolucionário é totalmente vegetal, livre de ativos cancerígenos ou gorduras saturadas. Isso representará, muito em breve, a maior revolução da história alimentícia desde o início da Era Industrial. A carne vegana, se disponibilizada por preços justos, poderá significar uma gigantesca mudança em nossos padrões alimentares, nossa relação com o meio ambiente e com os outros seres vivos. Pela primeira vez a humanidade poderia manter-se detentora do título de “onívora” sem ter que matar animais para isso.
Valorizar a produção de alimentos locais ainda é a melhor forma de estimular o consumo consciente. Foto: Food Revolution Network
Bem mais que carne
A startup americana Just possui outra proposta igualmente original e transformadora. A empresa desenvolveu, com sucesso, um ovo feito a partir de feijões, proteína vegetal e açafrão. O ovo vegano não vem em cascas, mas em garrafas. Assim, o consumidor pode criar suas receitas, como bolos, tortas, omeletes, usando o preparo líquido já pronto para a utilização.
Além de todos os benefícios o ovo vegano possui altos níveis de nutrientes, baixo colesterol e não maltrata nenhum animal em seu desenvolvimento. O sabor, segundo os especialistas, é idêntico ao natural. Além da carne, caminhamos também para a criação de opções veganas para diversos outros alimentos. Leite, manteiga, iogurte e até bacon já podem ser encontrados em suas versões livres de sofrimento animal. Contudo, é importante sempre pesquisar sobre as empresas criadoras desses produtos e saber se o processo, mesmo sendo livre de maus-tratos aos animais, é ecologicamente correto e economicamente justo.
De nada vale um produto vegano de última geração que não cumpra com a regra básica do consumo sustentável: a preservação do planeta e da vida.
Enquanto essas novidades não chegam às mesas de todos nós, não podemos nos esquecer da importância de uma alimentação mais consciente, livre de produtos processados e de origem animal.
Podemos confiar sempre que a tecnologia irá encontrar novos caminhos, mas a valorização dos alimentos locais, dos pequenos produtores e dos artigos orgânicos ainda é a melhor forma de promover a justiça social e o equilíbrio em nosso planeta.
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