Você já se perguntou por que utilizamos bancos? Já parou para pensar como os bancos lucram ou qual o impacto das políticas bancárias na vida das pessoas?
Durante toda nossa vida lidamos com bancos. Pagamos contas, guardamos dinheiro, financiamos um negócio próprio ou mesmo um imóvel. Planejamos os estudos dos filhos ou uma viagem dos sonhos. Mas a maioria das pessoas não conhece os mecanismos que regem o universo econômico. Para muitos, este é um assunto complicado e que não precisa ser questionado.
Acreditamos que os bancos são todos iguais. Mas isso não é verdade. Por trás dos sistemas bancários, existe uma rede que perpetua a desigualdade social e impede uma distribuição mais justa do dinheiro. Diante de um crescimento alarmante da pobreza no mundo, optar por bancos conscientes é uma forma de promover um mundo melhor.
Mas afinal, o que são bancos éticos? O que está mudando na forma como as pessoas lidam com o próprio dinheiro?
A desigualdade social
A ONG britânica Oxfam, com filial no Brasil, divulga todos os anos seus relatórios sobre a desigualdade econômica mundial. Em 2018 a instituição concluiu o que todos já sabíamos: o Brasil é um país cruelmente desigual.
Apesar dos grandes avanços no combate à pobreza, o país ainda é uma nação dividida entre ricos e pobres, sendo regida por um injusto controle financeiro que não permite a distribuição justa de renda. Segundo o relatório da Oxfam:
“Seis brasileiros – todos homens brancos – concentram a mesma riqueza que a metade mais pobre da população, mais de 100 milhões de pessoas. E os 5% mais ricos do país recebem por mês o mesmo que os demais 95% juntos.” Oxfam
Esse quadro é tão desigual que, se os mais ricos do Brasil gastassem um milhão por dia, demorariam cerca de 36 anos para esgotarem todo seu patrimônio. Isto acontece num país onde boa parte da população ganha cerca apenas um salário mínimo por mês e não conta com políticas públicas competentes.
Prédios de luxo ao lado das comunidades carentes. Foto: Media Sic.
O problema é antigo e possui uma raiz estrutural muito complexa. Para a Oxfam, as políticas tributárias brasileiras são injustas:
“O sistema tributário brasileiro é injusto e penaliza os pobres e a classe média. O grupo dos 10% mais pobres gasta 32% da sua renda em impostos, enquanto os 10% mais ricos pagam 21%. No Brasil, contribuem mais os que menos têm.” Oxfam
Se o país igualasse sua arrecadação, cobrando mais de quem tem mais, seria possível arrecadar cerca de 60 bilhões de reais a mais em impostos, valor que poderia ser usado para promover melhorias na saúde, segurança pública e educação.
Essa realidade é agravada com a falta de práticas éticas dentro do sistema bancário. Sem financiamento, projetos com foco no bem-estar social e na distribuição de renda não conseguem sair do papel. ONGs, pequenos artesãos, agricultores, cooperativas de produtos orgânicos e projetos de educação e saúde não conseguem fundos de maneira justa e são obrigados a fechar as portas.
A falta de incentivo financeiro destrói a chance de uma sociedade mais igualitária e concentra cada vez mais o capital nas mãos dos grandes bancos e corporações.
Foto: Getty.
Quando analisamos a ética da economia global, os números são ainda mais assustadores. O relatório de 2017 da Oxfam revelou que apenas 5% da população mundial detêm a renda suficiente para manter os outros 95%.
Entre 2015 e 2017, milhões de pessoas mergulharam na completa miséria, enquanto surgiu um bilionário a cada dois dias. Já os considerados super ricos, cerca de 0,1% da população brasileira, ganham em um mês o mesmo que um trabalhador recebe ao longo de 19 anos.
Bancos éticos
O conceito de banco ético ainda é novo no Brasil, mas mostra-se como tendência em diversos países. O pioneiro deste movimento foi o banco holandês Triodos, considerado um dos mais inovadores e conscientes do mundo. Atualmente ele atende os Países Baixos e possui filiais na Bélgica, Alemanha, Reino Unido e Espanha. Seu modelo está servindo de inspiração para iniciativas no mundo inteiro.
O Triodos financia empresas nas áreas de renovação ambiental, reciclagem, energia solar, agricultura orgânica ou que instituições que incentivem a integração da cultura local. Gerido de modo transparente, um banco ético não busca apenas o lucro sobre o capital de seus investidores e acionistas. Cada membro atua como colaborador dos projetos que o banco financia. Assim, o dinheiro estará sempre em fluxo, promovendo mais igualdade e oportunidade.
Banco Triodos na Espanha. Fonte: Divulgação.
A grande inovação dos bancos éticos é a transparência. Embora muita gente não saiba, os bancos convencionais não usam o próprio dinheiro para as movimentações. Empréstimos, pagamentos e outras transações são feitas com o dinheiro de seus clientes. Desta forma, um banco tradicional lucra duas vezes: ao cobrar juros e taxas e ao deter o poder de compra de toda uma população.
Não é por acaso que, apesar da crise econômica sem precedentes no Brasil, os bancos tiveram um incrível aumento de lucro. Só no primeiro trimestre deste ano, os bancos arrecadaram mais de 20 bilhões de reais. Este lucro é repartido entre os grandes banqueiros e investidores estrangeiros, não restando muita coisa para a economia local.
Outro fator preocupante é que os bancos convencionais cobram juros muito acima da inflação. Um pequeno empresário ou produtor rural independente que precise de financiamento para alavancar seu negócio, irá pagar uma das maiores taxas de juros do mundo. Desta forma, as grandes instituições financeiras apoiam apenas grandes indústrias e esmagam os pequenos empresários.
Como o objetivo de um banco convencional é maximizar seus lucros de maneira desenfreada, não são valorizados projetos menores, nem ideias que foquem na transformação social.
Um novo modelo na economia brasileira
O projeto Dinheiro e Consciência propõe uma nova forma de lidar com a economia. O projeto nasceu da parceria de diversas instituições sociais e econômicas em busca de um modelo ético e sustentável, dentro do qual é possível realizar o financiamento para projetos de alto impacto humanitário. Atuam na base do projeto a EcoSocial, empresa de consultoria e desenvolvimento humano, e a Fundação Avina, instituição internacional em prol do crescimento sustentável na América Latina.
Joan Melé, consultor do banco Triodos. Foto: Triodos Bank.
A ideia teve início em 2017 e foi inspirada no banco Triodos. Adaptada ao cenário brasileiro, a iniciativa visa estimular empresários e criadores que combinem ações de equidade social com bom uso dos recursos naturais.
A Dinheiro e Consciência oferece empréstimos e outros produtos financeiros com juros baixos e parcelamento flexível para que projetos sustentáveis possam ser executados. Para obter os benefícios, o solicitante passa por uma análise detalhada, que medirá o raio de atuação e impacto positivo dentro da sociedade e meio ambiente. Em seguida a instituição faz a conexão entre o projeto e os investidores.
O ciclo econômico é completado quando o solicitante quita seu financiamento e potencializa seu projeto, modificando positivamente a vida de outras pessoas.
Outro projeto que colabora para uma mudança na forma como lidamos com o dinheiro é a iniciativa ALIANÇA, que realiza recomendações e análises das instituições de crédito e investimento socioambiental.
A avaliação busca estimular os cidadãos a preferirem investir em bancos e cooperativas com uma sólida base ética, se livrando dos grandes bancos e interrompendo o ciclo que só alimenta as grandes instituições.
Órgãos como o Institute for Social Banking também são exemplos de verdadeiros centros de pesquisa para novos modelos econômicos fundamentados na igualdade. Com bases de pesquisa em diversos países, inclusive o Brasil, a instituição estuda as estruturas sociais e reforça o poder da colaboração.
Já a Pipe Social é outra ONG brasileira de impacto econômico positivo, que funciona como um banco e incentivadora. Com foco em projetos ambientais e de justiça social, a Pipe conecta investidores e empreendedores em busca de apoio financeiro. Cada projeto é acompanhado de perto e só podem participar empresários que atuem de modo sustentável e em respeito aos valores humanos.
Pipe Social: organização que mapeia os negócios sustentáveis no Brasil.
Resumindo
O dinheiro só possui sentido quando empregado para construir uma sociedade mais justa e com mais oportunidades. O antigo modelo bancário, fundamentado sobre lucro abusivo e crescimento inescrupuloso, começa a ceder espaço para novas iniciativas capazes de combinar economia e justiça social. Um sistema financeiro que caminha para a valorização do capital ético e humano.
Os exemplos são muitos e o mercado brasileiro começa a conhecer novos caminhos para o crescimento econômico justo. O banco Dinheiro e Consciência é uma prova de que preservação ambiental e respeito à vida e dignidade humana podem caminhar lado a lado com a capitação de recursos. Cabe a nós fazer as escolhas certas e estimular essas ações.
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