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Algumas anotações sobre a relevância do tricô em meu trabalho

  • Foto do escritor: Nara Guichon
    Nara Guichon
  • 27 de jan. de 2021
  • 4 min de leitura

Atualizado: 26 de out. de 2021


O tricô é uma técnica que sempre me impressionou por diversos motivos. Pensar que com apenas um par de agulhas, um fio e dois pontos, direito e avesso, podemos criar mais de dois mil padrões - o que é algo realmente surpreendente. E se por ventura agregamos mais um ou vários fios de outras cores, eis que essa possibilidade criativa se torna infinita.


Um pouco da história do tricô


Apesar da simplicidade de elementos e recursos que envolvem o tricotar, a técnica é bastante intrincada no fazer. Podemos imaginar que o tricô foi descoberto e desenvolvido no gesto de brincar com fios com as mãos, momento onde o ensaísta criava laços, fazia fios e num jogo de repetições foi sendo criado um padrão.


Acredita-se que as primeiras agulhas foram os dedos dos artesãos, nascendo depois a necessidade de uso de acessórios próprios feitos com ossos e gravetos.


É provável que o tricô tenha surgido nos arredores do rio Nilo, no que chamamos hoje de Egito. O Império Romano levou a técnica para toda a Europa, onde se tornou popular principalmente nos países do Norte, Reino Unido e Irlanda.

Representação egípcia de um homem carregando novelos de lã e agulhas de tricô. Fonte: sheepandstitch.com.

A referência mais antiga ao tricô data do final do século VIII a.C e está na obra épica Odisseia, de Homero. Penélope aguarda o retorno de seu marido, Ulisses, tricotando. Essa passagem também é repleta de simbolismo, uma vez que os gregos antigos viam uma relação direta entre o destino dos homens e a trama dos tecidos. Para eles, os deuses teciam a vida com o fio do destino. As Moiras eram as senhoras que estendiam, tramavam ou cortavam o fio que ligava os mortais ao mundo.




A técnica foi trazida para a América com os exploradores europeus, sendo bastante difundida mesmo nos países perto da linha do Equador, isso porque essa técnica se mostrou muito versátil, criando também ótimos tecidos leves.


A agilidade da trama, que já oferece tecidos prontos e de boa qualidade, foi outro motivo do sucesso do tricô aqui em terras tropicais, especialmente numa época em que não havia ainda produção oficial de tecido.


No Brasil o tricô mesclou-se com inúmeras técnicas e estilos. Ganhou novos usos e detalhes como a renda do Nordeste e o fuxico (pequeno ornamento feito de retalho de tecidos) de Minas Gerais. Hoje encontramos uma grande variedade de peças e usos do tricô, que pode ser usado na moda, no design, artesanato ou até mesmo como parte de processos de terapia ocupacional e prática de relaxamento e concentração.


Abaixo alguns exemplos de peças e tramas criadas por mim com a técnica do tricô e outras:


Paixão para toda vida


Me emaranhei nos fios desde muito cedo. Aprendi ainda menina a prática de tecer roupas para minhas bonecas. Fiz slacks (como eram chamadas as calças compridas nos anos 60), tricotei casacos com capuz e ainda uma variedade de roupas, tanto para mim mesma quanto para os bebês da família.


No Rio Grande do Sul, meu estado natal, era comum encontrar pessoas que tricotavam roupas para a família, dessa forma, ao longo da vida tive muitas mestras na arte que veio a se tornar minha profissão. Fui a cada dia aprendendo novas técnicas para moldar e criar padrões através de pontos complexos. Incorporei em meu trabalho texturas que transpareciam perfeição técnica e muita precisão. Encontrei esse caminho de modo natural.

Embora exista muita confusão sobre tricô e crochê, a principal diferença é que o crochê trabalha com apenas uma agulha específica, com um ganchinho na ponta. Já o tricô opera com duas agulhas com pontas finas, o que permite o ponto deslizar de uma agulha para o lado no qual o tecido está sendo feito.


Como tricoteira, acredito que o tricô comporte maior diversidade de resultados em padrões (pontos). Ambas as técnicas artesanais possuem particularidades muito especiais. São “fazeres silenciosos”, que dependem apenas das mãos e da criatividade de quem executa. Não precisam de máquinas ou acessórios complexos em sua execução.


Quem o realiza pode dividir sem esforço sua atenção com outra atividade. Eis o prazer de tricotar e conversar, assistir TV ou ouvir uma boa música.


Novos usos, novas tramas


Em meu trabalho já combinei o tricô com patchwork, com retalhos de tecelagem ou em mesclas com peças de crochê.


Dentro das infinitas possibilidades, a mais inusitada para mim tem sido o emprego da técnica em peças de arte. Esse é o momento em que busco o ressignificado do tricô, não apenas para mim, mas para o público que irá contemplar o meu trabalho.


A simplicidade desse fazer manual comporta em seu âmago uma forte capacidade expressiva, que envolve os sentidos e nos leva a uma nova forma de percepção. Eis uma força de criação artística que merece ser melhor explorada.

A peça de arte “Flexão”, que combina tricô e redes de pesca reutilizadas.

Para os que pensam em começar a tricotar, saibam que erros no aprendizado são comuns e fazem parte do processo. O que sugiro é que não se deve desmanchar suas tramas por conta de eventuais falhas. Os erros são ótimos pontos de partida para soluções criativas. Procure criar sobre os defeitos. Diante de um deslize da trama ou buracos (pontos perdidos), use uma agulha de costura para fazer um caseado, use outro tom de fio para enriquecer e encontrar soluções inusitadas.


Outro ponto importante é manter o interesse pela criatividade. Sempre gostei de criar peças únicas, não costumo copiar modelos ou desenhos de revistas e isso me levou a aprimorar um estilo próprio cada vez mais sólido e coeso.


O uso das cores e a qualidade das matérias primas (em geral lãs de fio superior) são os outros fatores que levaram minhas criações a obter sucesso. Essa é a regra fundamental do tricô, e também de toda criação artesanal: oferecer itens duradouros e criados com respeito e consciência ambiental.

 


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